Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro
Posso colocar um mini mercado dentro do meu condomínio?
Os tempos atuais nos obrigaram a criar alternativas visando a proteção da sociedade contra um vírus invisível. Várias foram as medidas adotadas para evitar que saíssemos de nossos lares e o contato presencial, dentre elas a colocação de mini mercados autônomos em áreas comuns do condomínio.
É bem verdade que alguns condomínios já faziam uso de feiras livres nas áreas comuns, o que, embora tenha gerado discussões, a medida se mostrou bem vinda e benéfica aos condôminos ante à praticidade e comodidade.
Antes de adentrar no tema específico dos mercados autônomos, farei breve analise sobre a questão comercial em condomínios residenciais.
Todos sabemos que a instalação de empresas em condomínios residenciais é proibido e o “home office” passou a ser cada vez mais frequente muito antes da pandemia e para determinadas áreas de atuação, como por exemplo atividades intelectuais (advogados, contadores, escritores) isso já era bastante comum e tolerado, nos permitindo asseverar que tal questão de proibição do exercício de atividade profissional dentro dos condomínios residenciais está sendo revista e mitigada. O artigo 1.335, I do Código Civil diz que o condômino pode usar livremente de sua unidade. É um direito do condômino atrelado a outro direito: o de propriedade. Porém, o mesmo direito que ele tem, os demais também têm. Então, não podemos deixar de perceber que para o exercício de algumas atividades não significa permitir que a saúde, segurança e sossego dos demais condôminos sejam afetados, sob pena de infração aos direitos de vizinhança, conforme previsto no artigo 1.277 do Código Civil.
Já o inciso IV do artigo 1.336 também do Código Civil prevê que é dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
O fato de alguns condôminos exercerem, destarte, algumas atividades em sua unidade autônoma, sem que se afetem a rotina, saúde, segurança e sossego do edifício, é dar destinação diversa à edificação? Penso que não.
Há algumas atividades comerciais que podem ser realizadas dentro de uma unidade autônoma residencial, principalmente as intelectuais como dito anteriormente, pois nitidamente elas não causam incômodo capaz de coibir a sua prática.
São atividades que não precisam de público intenso, frequente e presencial, bem como, não carecem de funcionários como nos locais onde há venda de produtos ou a prestação de determinados serviços.
Outra situação é a daqueles que fazem bolos, pães, marmitas que prejudicaria os demais caso um fogão forno industriais fosse instalado. Alteraria a destinação do empreendimento e colocaria em risco a segurança do empreendimento, portanto, caracterizaria abuso e uso anormal da propriedade. Se apenas há um aumento no consumo de gás, por exemplo, pode-se avaliar a cobrança maior dessa unidade.
Isso nos consente entender que a mesma situação toma outros contornos quando condômino que vende bolos/marmitas para seus vizinhos/condôminos de forma moderada sem causar acréscimo no consumo de gás, por exemplo, ou aquele que ministra aulas de ginástica para os moradores na quadra ou salão, desempenhando atividade que é extremamente saudável para o relacionamento entre eles e não há qualquer razão para proibir, mas nada impede que regras com a participação de todos sejam estipuladas.
E essas regras devem ser definidas com bom senso e boa-fé, justamente para não ferir direito de propriedade de todos os demais condôminos, abusar da tolerância e alterar o destino do apartamento que é residencial, sobretudo em condomínios muito grandes.
Mas e como ficam os mercadinhos autônomos dentro dos condomínios?
Pois bem.
Depois dessa análise, se ponderarmos sob o princípio da legalidade, caso o espaço a ser utilizado pelo mercadinho tenha sua destinação alterada o quórum assemblear para a sua aprovação será de 100%. A destinação de área se altera com 100% dos condôminos, por constar da especificação do condomínio.
Se formos, de outra banda, avaliar como uma simples facilitação, há quem defenda o quórum de 2/3 porque a situação deve estar prevista na convenção. Mas sabemos que muitos condomínios estão aprovando em assembleia a colocação dos mercadinhos por maioria simples, que deve ser pautada, obviamente.
Há notícias de síndicos que sequer realizaram a assembleia e permitiram a colocação dos mercados autônomos nos condomínios, o que me soa um tanto quanto arriscado.
De qualquer modo, o síndico deve analisar a viabilidade do projeto, a idoneidade do vendedor, os custos com energia elétrica, limpeza e o percentual que geralmente é repassado pelo condomínio pela venda desses produtos e logicamente todos esses detalhes serem compartilhados com os condôminos, pois, caso resulte em problemas todos os condôminos cobrarão e serão cobrados.
Importante que se diga que esse percentual a ser repassado pelo vendedor ao condomínio, poderia ser considerado pela Receita Federal como acréscimo, como ocorre com locações de espaços e o condômino ter que declarar.
O contrato com a empresa deve ser muito bem elaborado, inclusive avaliando se há aumento de riscos para o condomínio já que poderá implicar em alterações no seguro.
Não é recomendável que sejam disponibilizadas bebidas alcoólicas, caso sejam vendidas que sejam colocadas travas impedindo o livre acesso por menores de 18 anos.
No caso das feiras, o feirante tem que ter autorização da prefeitura municipal/vigilância sanitária para poder vender seus produtos e o condomínio deve exigir que a limpeza do local seja realizada pelo feirante, pois, a salubridade deve ser observada e o condomínio deve ficar atento já que produtos perecíveis serão vendidos e pode causar algum risco e danos à saúde, cuja responsabilidade pode eventualmente se reverter ao condomínio.
E por essa e outras razões é de suma importância que o contrato seja elaborado de modo a prever também as responsabilidades em caso de ocorrência de algum problema.
Há alguns condomínios que também realizam feiras de artesanato, vestuários, food trucks, festas para crianças destinadas aos seus condôminos com preços mais acessíveis e embora sejam praticadas com a intenção de facilitar o dia a dia dos condôminos, clamam por atenção, cumprimento de regras e zelo com a saúde, segurança e sossego da comunidade condominial e preservação do empreendimento como um todo.
Enfim, as relações mudaram e todas as partes envolvidas devem convergir para que a harmonia impere no local, certamente ideias não faltarão e essa é uma das finalidades dessa matéria: instigar o debate sobre o assunto em busca do diálogo, da conciliação e maior atendimento dos anseios dos condôminos, inclusive para terem mais prazer e facilidades nos condomínios em que residem.