Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro
O Condomínio Antissocial
Não você não leu errado. Neste artigo vamos falar do condomínio antissocial, pois muito falamos sobre o condômino antissocial. Aquele condômino que não respeita a lei, a convenção, o regulamento interno e reiteradamente perturba o sossego, a saúde e por vezes a segurança de seus vizinhos. Essa pessoa despreza o próximo e acredita ser fonte única de calor e energia e por isto pode tudo. Obviamente, não sabe compartilhar, não pode (e não deve) residir num condomínio. Talvez até mesmo em residências de rua trará transtornos ao seu entorno.
Sabemos que tais condôminos são advertidos, multados e em alguns casos boletins de ocorrências são lavrados pela prática de crimes e resultam em ações judiciais pleiteando a expulsão do condômino transgressor daquela comunidade condominial, já que todas as medidas antes indicadas não resultaram em efeito prático.
Entretanto, recentes situações têm me chamado a atenção. Condôminos sendo vítimas de agressões verbais, perseguições, bullying, etc., dentro de condomínios. Moças notadas pela beleza causaram incômodo em condomínios, onde as “senhoras de família” as ofenderam em grupos de whatsapp 1. Em alguns dos casos foram recomendadas as vestimentas que seriam adequadas às moças, inclusive em tom ameaçador 2. Num deles, a síndica chegou a sugerir imóveis próximos para que a condômino se mudasse. Uma influenciadora digital sofreu agressões físicas de condôminas incomodadas com a presença belíssima dela no condomínio 3.
Estes comportamentos denotam o inverso do que estamos pessimamente habituados: o condomínio antissocial. Ou seja, aquela comunidade condominial - ou a maioria dela - passa a impor as regras que entendem adequadas àquele espaço, sem que tenham o menor critério, razão e sobretudo respeito pelo próximo.
Ora, num país tropical como o nosso, exigir que mulheres não usem short e blusas decotadas em nome da “família” é viver realidade distorcida. Como homens e mulheres frequentarão as piscinas dos condomínios? De burca? Todos têm o direto de usar as roupas que entenderem pertinentes. Usar o cabelo da cor e como quiser. Se relacionar com homem ou com mulher. E o que os nossos vizinhos têm a ver com isso? Nada, absolutamente nada!
Os direitos e deveres têm mão dupla. Logicamente que a sociedade tem regras e costumes que devem ser respeitados e cumpridos por todos. Se escolho usar uma saia mais curta não descumpro regras de convivência, exceto se quem me vê não sabe distinguir o comum, o tolerável, daquilo que somente ela e uma pequena minoria pensam ser certo. Somente suas regras são corretas. Melhor esclarecendo: Ninguém anda nu por aí. Práticas sexuais são proibidas em público. Devemos acatar o horário de silêncio, dentre várias outras posturas e condutas que são vigentes na sociedade e que visam à coexistência pacífica entre as pessoas e, no caso dos condomínios, os vizinhos que formam aquele grupo que decidiu dividir o mesmo espaço.
Obviamente que não podemos exagerar na sensibilidade, pois existem os aborrecimentos e conflitos naturais da vida em sociedade, de modo que o bom senso e as regras sociais de convivência devem ser observados, começando com cada qual respeitando o direito do outro.
Tudo que passa da anormalidade, do intolerável, que é exagerado, pode afetar o direto de vizinhança atingindo a saúde, segurança ou sossego e caracterizar abuso de direito, punido pela nossa lei civil material. E com toda a certeza uma mulher usar uma roupa curta ou justa nas áreas do condomínio não afronta os direitos dos demais condôminos. A propósito:
“A responsabilidade civil pelos danos de vizinhança é objetiva, conduzindo a obrigação de indenizar independentemente da existência de culpa, se da atuação nociva do agente resultar dano efetivo. É necessária a comprovação de nexo causal entre a ação do vizinho e o dano sofrido pelo outro como pressuposto essencial para caracterização do dever de indenizar recaindo o ônus da prova, tratando-se se de ação de indenização ao autor” (TJ/MG, Ap. Civ. 259 054-3, relatora Desa. Jurema Brasil, DJ 1.7.98).
Embora estejamos vivendo tempos de liberdade, permissibilidade e diversidade, também vivemos a intolerância, desrespeito e egocentrismo extremos. As “selfies” dos celulares, a meu ver, expressam, de alguma forma, o que os corações e almas dessas pessoas guardam: Egoísmo, despotismo, em que se centram em si mesmas, somente seus interesses e só o que reputam certo interessa. O outro é apenas o outro, o que é de se lamentar.
Nada melhor que uma reflexão para finalizar esse texto:
“ Eu desejo respeito, e para isso entendo que preciso também respeitar, mesmo o que não me agrada.
(...)
Respeito é entender que cada um tem uma perspectiva diferente, opiniões diferentes, e está tudo bem! As minhas opiniões, as minhas escolhas, as minhas vontades, não anulam a relevância das suas e vice-versa.
Respeito é a decência de não fazer aos outros o que não gostaríamos que fizessem com a gente.
Sem respeito ao próximo não existirá respeito mútuo e sem respeito mútuo, teremos uma sociedade intolerante, agressiva e estagnada. Pois sem respeito, compaixão e tolerância, não há evolução e desenvolvimento humano.
E de nada adianta tecnologias revolucionárias se o espírito e comportamento humano continuarem na pré-história.”
(Wandy Luz - https://www.revistapazes.com/respeito-naoe-concordar-respeito-nao-e-incentivar-respeito-nao-e-aceitar-respeito-e-so-respeito/)