Direito Condominial e Sindicatura - Amanda Accioli
Advogada pós-graduada em Direito Empresarial (Mackenzie) e em Direito Público (Federal Concursos). Possui formação complementar na área condominial, como de Administração Condominial e Síndico Profissional, de Direito Condominial e de Direito Imobiliário, todos pela Escola Paulista de Direito (EPD), entre outros. Tem experiência como advogada condominial nas áreas consultiva e contenciosa, atuando hoje como síndica profissional e como prestadora de serviços na área consultiva condominial para grandes escritórios jurídicos.
Atualização das normas condominiais como principal ferramenta de gestão
Muitos que moram em condomínios não sabem o que é a convenção condominial, e muito menos na hora da compra de uma unidade condominial (quando esta já é existente, ou seja, compram a unidade em um condomínio já constituído juridicamente) pedem para verificar este instrumento tão importante, afinal é a convenção condominial a “Constituição” do Condomínio, que juntamente com o regimento interno serão os documentos indispensáveis à boa administração condominial e à convivência da massa que ali reside de forma igualitária e harmônica, ou pelo menos é o que se pretende na gestão de um condomínio não é mesmo?
Quando vejo alguém querendo comprar uma unidade condominial, sempre sugiro que peça a convenção condominial e o regimento interno para que possa analisar esta documentação, e assim verificar se estão elaborados conforme a Lei vigente e principalmente se estão de acordo às necessidades daquela família que ali pretendem residir por muitos anos, ou mesmo es estão dentro da realidade daquele investidor, explicando portanto que na convenção estão os parâmetros legais, com as regras de administração geral, enquanto o regimento interno trata de questões que envolvem o cotidiano condominial abordando regras de utilização dos espaços comuns que devem ser observadas por todos aqueles que o compõem, bem como terceiros que com ele se relacionam e por isso muito necessário serem conhecidos do futuro proprietário, afinal, após a compra, não adiantará reclamar sobre a falta de conhecimento e muito menos não aceitar as regras de convivência e gestão ali contidas.
Já quem compra um imóvel na planta terá provavelmente a primeira Convenção do seu condomínio de forma genérica, sendo elaborada pela construtora/incorporadora antes mesmo da entrega do empreendimento, e com isso deixando de lado questões importantes para o condomínio que ainda desconhecem, como os usos e costumes dos futuros condôminos entre outras particularidades que influenciarão a vida do condomínio, sendo insuficiente às necessidades da massa condominial, e por isso deverão ser atualizadas posteriormente.
Em muitos condomínios, principalmente aqui na Capital de São Paulo, lugar onde o boom dos edifícios se deu há muitas décadas atrás, observamos convenções condominiais muito antigas e obsoletas, chegando a ultrapassar até 50 anos de sua existência, acreditem! Exemplo disso é o condomínio onde hoje em dia resido aqui em São Paulo, em unidade condominial que pertenceu aos meus avós, e a convenção condominial é de 1956 e jamais foi alterada, e pasmem: o regimento interno é de 1992 e também até hoje não enxergaram a necessidade de alteração – um completo absurdo já que as relações condominiais mudaram e muito nestas últimas décadas, tanto nas relações sociais, como nas trabalhistas, de cunho imobiliário, como é o caso das locações por temporada por curto ou curtíssimo prazo, como é o caso das locações pelos aplicativos como o “Airbnb”, e ainda tivemos as alterações no Código Civil e no Código de Processo Civil, e por todas estas razões é imprescindível a adequação e atualização destes tão importantes e essenciais documentos (antes que me perguntem, eu não sou a síndica do condomínio onde resido).
Ora, se a vida em condomínio está em constante mudança, é obrigação do bom gestor condominial lutar pela conscientização dos moradores, comissões e conselhos para que realizem alterações nas regras de convivência e assim possam acompanhar toda a dinâmica atual, gerindo o condomínio em conformidade às leis e aos costumes atuais, para que ao final o condomínio possua uma convenção condominial e regimento interno muito bem escritos e embasados na nossa legislação atual e na realidade do condomínio dos novos tempos.
Mas isso faz diferença na gestão do condomínio? Faz uma diferença gigantesca! Estando com estes documentos atualizados e escritos de forma clara e em consonância com as leis atuais, trará muito mais tranquilidade aos gestores condominiais que estão todos os dias resolvendo situações e problemas recorrentes no condomínio.
Muitas convenções acabam ficando literalmente “no passado”, desatualizadas e obsoletas pois infelizmente nem sempre é fácil a realização de uma assembleia com quórum específico para a sua atualização, e por “dar muito trabalho” acabam sendo “deixadas para lá”, mas mesmo sendo uma tarefa trabalhosa para os seus gestores, eu garanto que não chega nem perto de todas as dificuldades e aborrecimentos que poderão continuar a acontecer no dia a dia condominial caso essa regulação não ocorra, aliás eles só aumentarão.
Pasmem que, tenho conhecimento aqui na grande São Paulo e acredito que isso seja uma realidade no restante do País que uma boa parte das convenções condominiais sequer se adequou às previsões do Código Civil de 2002 e nem mesmo encontrando-se registrada, o que impossibilita que estes condomínios atualmente possuam conta bancária, o que leva.
Voltando ao assunto da fase pandêmica da COVID-19 que ainda estamos vivendo após mais de dois anos da sua chegada no Brasil, e se relembrarmos como isso afetou os condomínios ainda mais no início deste “novo normal” em meados do primeiro semestre de 2020, verificamos que as convenções não estavam preparadas para o impacto de toda essa situação sanitária grave, e nem mesmo nosso ordenamento jurídico talvez prevesse algo desta seriedade tanto é que, semanalmente fomos bombardeados por PLs, MPs, inovadoras decisões judiciárias, entre outros instrumentos que pudessem orquestrar as novas situações.
Pelo menos, dentro dos nossos condomínios, daqueles que administramos ou que pelo menos ajudamos à administrar de alguma forma, podemos começar a mudar este quadro de agora em diante, afinal são nestes tempos de crises que, tomando conhecimento do que precisa ser feito, é que podemos começar a moldar o novo, ajustando as necessidades do condomínio diante das mudanças que vem ocorrendo.
Abaixo vou elencar algumas situações que vejo como primordiais para hoje em dia regular e atualizar nas convenções condominiais e regimentos internos que ainda não citam e regulam tais ocorrências (não separei os assuntos que seriam de competência da convenção condominial ou do regimento interno), e estes abaixo e muitos outros assuntos que poderão surgir no seu condomínio, com certeza terão grande relevância para o dia a dia condominial, para uma melhor gestão e convivência harmônica da massa condominial:
- Estabelecer um número máximo de procurações que um morador poderá apresentar para participar e votar nas assembleias do condomínio e inclusive determinar se o síndico atual poderá participar delas munido de alguma procuração;
- Para que se estipule uma multa de até cinco vezes o valor da taxa condominial ao condômino em caso de não cumprimento, de forma reiterada, dos seus deveres para com o condomínio, conforme preconiza o art. 1337 do Código Civil (para isso precisará constar da convenção condominial);
- Estipular como será a remuneração do síndico profissional (essa semana terminei uma Convenção em que estipularam o limite de teto de 2 (dois) salários mínimos vigentes), ou seja, propostas dali por diante só serão levadas à análise caso não exceda este limite;
- Sobre a destituição do síndico com maioria simples, quando comprovada a má gestão ou qualquer ato infracional que o desabone para o cargo, desde que comprovado;
- Estabelecer a obrigação (ou não) de firma reconhecida nas procurações utilizadas nas assembleias (ítem que acaba gerando muita discussão caso não esteja estabelecido na convenção);
- Estabelecer regras para a locação por curto período de tempo eatravés de aplicativos como o Airbnb (exemplo: estabelecer limite mínimo de permanência como 20 ou 30 dias, obrigar que o proprietário do imóvel entregue as chaves pessoalmente ao locatário e que jamais deixe as chaves sob a responsabilidade da portaria, entre outras limitações ou permissividades, à depender dos critérios do condomínio);
- Aplicação de multa direto ao condômino infrator independente de prévia advertência, à depender da situação (exemplo: se um morador causar sérios danos ao condomínio a multa poderá ser aplicada sem anterior advertência);
- Regulamentação da necessidade do meio virtual como forma de realização das assembleias ordinárias e extraordinárias já que, com a chegada da pandemia da COVID19 em 2019 no nosso País, trouxe com ainda mais força a realidade virtual para o nosso dia a dia condominial, com a necessidade de se adequar e modernizar as convenções condominiais, aproximando-as deste novo momento;
- Aumentar o conselho consultivo para ajudar na gestão do condomínio, criar comissões permanentes como por exemplo comissão de obras, comissão de saúde, entre outras;
- Estabelecer um quórum para a alteração do Regimento Interno que seja mais adequado devido as constantes mudanças na nossa sociedade;
- Estabelecer critérios de entrada de visitantes e fornecedores, bem como a forma de fornecimento e tratamento de dados destes;
- Estabelecer novos horários de uso das áreas comuns para que haja maior harmonia entre a massa a condominial (muito comum nos condomínios clubes pois são historicamente lançados para o fim de maior uso recreativo das áreas);
- Estabelecer a regularidade de algumas manutenções que acabam sendo diminuídas por alguns gestores na sua administração;
- Proibição do uso das áreas comuns por parte dos visitantes ou regramento do mesmo;
- Regulamentar já de pronto quais os tipos de obras serão permitidas em meio às quarentenas (não gostaríamos de passar por essa situação de pandemia novamente, mas hoje sabemos que elas existem então melhor que tudo já esteja delimitado na nova documentação);
- Sobre a possibilidade de fechamento total e/ou parcial das áreas de uso comum, impedindo as aglomerações e a consequente disseminação deste ou de outro vírus igualmente agressivo que possa surgir no futuro;
- Quais as medidas de proteção de seriam de caráter obrigatório para que haja a circulação de pessoas pelas partes comuns (moradores ou não);
- Sobre a forma de realização de entregas por meio de aplicativos durante um isolamento;
- Forma de realização e sobre a possibilidade de mudanças pelos condôminos em meio à uma crise sanitária;
- Regras para realização dos “home offices” pois, muitos condôminos, mesmo com o fim da pandemia, ainda utilizarão suas residências para exercício da sua atividade laborativa (exemplo: locação de espaços dentro da unidade, recepção de clientes e/ou pacientes, entre outros);
- Sobre o funcionamento de cozinhas comerciais (típicos casos de condôminos que se tornaram micro empreendedores individuais e que se utilizam da sua cozinha para fabricação de marmitas, bolos caseiros etc, para venda externa (isso poderá impactar por exemplo no uso do gás, água etc, que já venham cobrados direto na cota condominial);
- Regras sobre a multipropriedade: se aquele condomínio permite esta nova modalidade de propriedade e como ela será utilizada e gerida; entre outras com certeza.
Existem outras atividades e/ou ocorrências na atualidade do seu condomínio? Então este é o momento para regulamentá-la. Não perca este momento ok?
Mas por favor não se esqueçam: toda e qualquer alteração na convenção condominial ou mesmo no regimento interno (que muitos consideram mais fácil e menos importante (opinião esta totalmente equivocada, já que o regimento interno é instrumento imprescindível para gerir o dia a dia do prédio) deve ser realizada por profissionais competentes e acima de tudo especializados na área condominial, pois qualquer modificação equivocada trará insegurança jurídica e poderá trazer enormes problemas para a gestão do condomínio.