Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro
Terceirização de mão de obra nos condomínios, será que sabemos como contratar tais empresas?
Minhas áreas de maior atuação como advogada, são as de direito civil e processual civil, mas por advogar para condomínios é claro que já atuei muito na área trabalhista e não posso deixar de acompanhar as questões mais relevantes.
Desde o início da minha carreira como advogada na seara condominial muito me intrigava a questão das terceirizações de mão de obra, afinal, muitos empregadores contratavam sem observar o registro nas carteiras de trabalho, o pagamento correto de horas extras e de demais verbas, dentre várias outras situações que maculam as relações de emprego pelo nosso país afora. Sabemos, também, que ao empregador é demasiadamente caro os custos com encargos da folha de pagamento, o que, para alguns justificaria a ausência do cumprimento de todas as regras vigentes nessas relações celetistas.
Então, surgiram as empresas terceirizadas, ou seja, uma outra empresa envia seus funcionários para prestarem seus serviços em outro local que não a sua sede ou filial, mas sob sua subordinação e responsabilidade. São três os atores dessa relação jurídica (terceirização): trabalhador, empresa prestadora (ou intermediadora) de serviços e empresa contratante (tomadora de serviços, aqui os condomínios). Importante lembrar que o vínculo empregatício existe entre o trabalhador e a empresa terceirizada = prestadora de serviços a terceiros.
A promessa dessas contratações é reduzir o passivo trabalhista, mormente em condomínios, cumprindo rigorosamente todos os dizeres das legislações trabalhista, previdenciária e tributária. Logicamente, caso o funcionário falte ou não atenda aos anseios do contratante será imediatamente substituído, ou seja, vende-se uma ideia muito próxima do paraíso para os síndicos e administradores, mas sabemos que na prática a conjuntura é muito diferente e daí resulta minhas reservas acerca desse tipo de contratação, afinal sabemos o quanto é custoso cumprir nossa legislação.
E com a reforma trabalhista, Lei 13.467/2017, em vigor desde 11/11/2017, tais contratações tomaram outros contornos que nem todos os síndicos e administradores se ativeram e isso me estimulou a escrever sobre esse tema, pois, os problemas e prejuízos materiais poderão ser maiores diante da atual legislação.
Antes da reforma trabalhista, caso as terceirizadas (contratadas) não cumprissem com seus deveres de empregadora, os funcionários delas ainda que prestando serviços a diversos condomínios (contratantes/tomadores), os incluíam no polo passivo das reclamações trabalhistas, eram reclamadas/rés, mesmo que cumprindo com suas obrigações, principalmente a de pagar a terceirizada/contratada. O tomador/condomínio, destarte, não se exime da responsabilidade perante a pessoa física do funcionário, de cujos préstimos se beneficiou. Então, não adianta alegar como defesa que cumpriu sua parte no contrato, que pagou em dia à empresa terceirizada, pois, a relação jurídica havida entre essa e o condomínio não pode afetar ao funcionário/empregado que precisa ter seus direitos protegidos. Portanto, se a terceirizada não quitar com eventuais verbas comprovadamente impagas ao funcionário, o condomínio, na qualidade de tomador e beneficiário direto dos serviços prestados, por subsidiariedade, fica obrigado a efetuar tais pagamentos correspondente ao período de laborem seu favor pelo reclamante.
Subsidiariedade significa que primeiro o débito deve ser cobrado do devedor principal (terceirizada, detentora do vínculo jurídico) e caso não haja o pagamento, inclusive, por não haver bens que garantam a execução, o que é muitíssimo comum, o réu seguinte (condomínio/tomador) assume o lugar do primeiro devedor.
Alguns dos fundamentos a autorizarem a cobrança do tomador dos serviços são: proteção ao trabalhador, ausência de cumprimento dos deveres de escolha e vigília (culpa in elegendo e in vigilando) do condomínio/tomador, enunciado 331[1] do TST.
Com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), a Lei de Terceirização (Lei 13.429/2017) e a extinção da obrigação do recolhimento da contribuição sindical, a contratação de empresas terceirizadas passou a ser contestada e, então, o Supremo Tribunal Federal, em 30/8/18 julgou a ADPF 324 – Tema 739 e o recurso extraordinário em repercussão geral 958252 e determinou a validade e legalidade da terceirização em todas as atividades da empresa (seja meio ou fim).
Mas poucos notam que o descuido com os pormenores delineados pela novel legislação poderá caracterizar o reconhecimento da ilicitude da terceirização. E a reforma trabalhista ainda trouxe alguns requisitos que devem ser cumpridos para evitar que a terceirização seja considerada ILÍCITA, o que, caracterizado implicará em graves problemas aos contratantes/tomadores. Vejamos:
- contrato social da empresa contratada deve ter capital social compatível com o número de empregados; ou seja: O capital social no mínimo deve garantir 12 vezes o valor mensal do contrato de prestação de serviços firmado com o condomínio/tomador. Dessa forma, cumpre-se o requisito de a empresa ter CAPACIDADE ECONÔMICA, conforme determina o artigo Art. 4º-A, "caput", Lei 6.019/74 (redação dada ela lei 13.467/17). “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.
- a empresa terceirizada SÓ PODE ser optante do SIMPLES para exercer atividades de prestação de serviços de limpeza; os demais postos (portaria, controle de acesso, zeladoria, etc.), há vedação Receita Federal; porque o ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº. 7, DE 10 DE JUNHO DE 2015 E COSIT Nº. 57/2015, preveem claramente estas vedações;
- o objeto social NÃO pode indicado como OUTROS SERVIÇOS PRESTADOS A CONDOMÍNIO – quando se fala de portaria/limpeza;
- a jornada de trabalho 12 x 36 = não se faz mais necessária a homologação sindical, entretanto, ainda é recomendável que haja, no mínimo, acordo escrito entre as partes – empregador e empregado, concordando com a escala.
Caso, o contratante não se atenha ao cumprimento desses requisitos no momento da contratação da empresa terceirizada, ela poderá não ser considerada VÁLIDA e então, a responsabilização aos tomadores será considerada não subsidiária, mas SOLIDÁRIA (diante da caracterização da ilegalidade da terceirização, pois ela só é válida e legal aquela se atender os requisitos da Lei 13.429/2017), o que significa dizer que havendo essa caracterização o reclamante/ex-funcionário poderá ter o seu créditos trabalhistas e vínculo empregatício reconhecidos diretamente com o condomínio/tomador.
Deste modo, é de suma importância que antes de contratar empresas de terceirização de mão de obra, os condomínios, através de seus advogados, avaliem com muita parcimônia o contrato, capital, objeto social, classificação tributária, a sua situação financeira e a de seus sócios, exigir certidões negativas nas esferas cíveis, trabalhista, previdência, de tributos estaduais e federais do CNPJ.
Estando a empresa regular e efetivando-se a contratação, sugiro que do contrato de prestação de serviços firmado entre o condomínio e a empresa terceirizada que juntamente com a nota fiscal e boleto de pagamento relativo ao mês da cobrança da prestação dos serviços, deverá ser enviado ao condomínio cópias das guias devidamente recolhidas relativas ao FGTS, INSS e demais encargos, protocolos de entrega de cestas básicas, EPI´s, uniformes, recibos de pagamentos de salário, décimo terceiro, comprovante de pagamento ou fruição das férias, bem como, caso não haja tais apresentações que a contratada terá um prazo determinado para regularizar a ocorrência, sob pena de rescisão do contrato por justa causa e retenção do valor da nota fiscal para pagamento diretamente aos funcionários.
Manter diálogo constante com os funcionários para “sentir” e perceber como anda sua relação com seu empregador, também é recomendável a evitar transtornos futuros. Terceirizar a mão de obra do seu condomínio e simplesmente não acompanhar tal contratação é assumir risco elevadíssimo, o qual, deve ser ao máximo mitigado atentando-se a todos esses detalhes que farão toda a diferença caso haja judicialização dessa relação jurídica (entre o condomínio e a empresa terceirizada), a qual, todos estamos sujeitos.
Para finalizar, se o condomínio/tomador que pagar qualquer importância aos ex-funcionários porque a terceirizada não o fez à época devida ou no montante correto, o condomínio/tomador poderá valer-se de ação regressiva contra a terceirizada contratada para ver-se restituído do que eventualmente tenha despendido.
[1] Enunciado nº 331 do TST
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03-01-74).
II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)